Páginas

domingo, novembro 04, 2007

Políticos maltratam gramática


Carlos Eduardo Reche

Ferramenta indispensável no embate de idéias e projetos, a língua portuguesa está exposta a usos de todo tipo no mundo político. Protagonista dos discursos dos grandes oradores da história da vida pública nacional, o idioma acabou relegado a segundo plano pelos políticos da atualidade, dizem especialistas.

Mas os analistas se dividem quando o assunto é a relação entre a qualidade do exercício da política e o bom uso do idioma: parte vê na dificuldade de expressão verbal sintoma de deterioração da classe; outra considera a habilidade fator secundário.

A reportagem do POPULAR acompanhou, durante três semanas, sessões na Câmara de Goiânia e na Assembléia Legislativa. A observação dos discursos de vereadores e deputados estaduais mostrou que os erros mais comuns no uso da linguagem oral são as concordâncias de número (uso de singular e plural), a aplicação indevida de termos e expressões – como onde e aonde – e confusões no uso de palavras por desconhecimento de significados. Mais do que prejudicar a comunicação, a maioria dos erros tem provocado situações engraçadas.

Significado
O governador José Roberto Arruda (DEM-DF) despertou as atenções do País ao baixar, no início do mês passado, decreto que proibiu o uso do gerúndio nas repartições públicas do Distrito Federal. A forma verbal teria começado a ser usada de forma indevida a partir da tradução, do inglês, de manuais de telemarketing. Disseminado pelas centrais de atendimento ao cliente, o gerúndio invadiu a linguagem coloquial, se tornou motivo de preocupação para professores e especialistas e migrou também para a política.

Para o cientista político da Universidade Católica de Goiás (UCG) Wilson Ferreira, o mau uso da língua portuguesa é reflexo da má formação dos parlamentares. “Antes, os políticos eram oradores, eles mesmos preparavam seus discursos. Os políticos de hoje não têm conhecimento do que é Estado, democracia, República”, afirma. “Isso significa que eles não têm noção alguma do seu papel, de suas prerrogativas e competências no exercício da vida pública. É um sinal de que estamos chegando ao fundo do poço em todos os sentidos nessa área.”

A também cientista política da UCG Heloísa Dias Bezerra discorda. Para ela, a dificuldade no uso da língua portuguesa não é reflexo, necessariamente, do desgaste da vida pública nem está em contradição com o exercício da boa política. “Se o indivíduo estiver de fato comprometido com os interesses da comunidade que representa, não precisa ter uma formação específica. A idéia é que esse político tenha à sua disposição um corpo de assessores especializados, que dêem a ele o suporte técnico para que tome suas decisões”, afirma a professora.

Segundo Ferreira, a era dos grandes tribunos, que primavam pela eloqüência e precisão dos discursos, está chegando ao fim. Na galeria estão Getúlio Vargas, João Goulart, Leonel Brizola, Ulysses Guimarães e Antônio Carlos Magalhães – que deixaram muitos de seus pronunciamentos registrados na história. Segundo o professor da UCG, os políticos da atualidade dão cada vez menos valor para o discurso, e política “deixou de ser o espaço de luta por ideais e propósitos, para atender a interesses pessoais”.

“A boa política não passa pela idéia da formação, da detenção do conhecimento. Se fosse assim, poderíamos optar por um ditador, desde que ele fosse sábio. O conteúdo, assim, não é o primordial”, diz a professora Heloísa. “Não vivemos o ideal grego da isonomia na política (de que todos podem participar das tomadas de decisões), mas também não vivemos a democracia dos sábios”, afirma. “O conteúdo dos nossos políticos não é muito diferente do conteúdo dos políticos dos demais países.”


Fonte: O Popular

Nenhum comentário: